terça-feira, 6 de agosto de 2013

RIVETTE POR MILTON DO PRADO FRANCO


No dia 8 de agosto, após a sessão de Paris nos Pertence (às 20h), o professor Milton do Prado, coordenador do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos, que tem um Mestrado sobre Rivette realizado na Universidade de Concordia, no Canadá, participa de um debate com o público sobre a sua obra.





Confira, abaixo, algumas de suas considerações sobre Rivette postadas no Facebook

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Postado em 05/08/2013


Embora uma versão reduzida da mostra produzida por Francis Vogner Dos Reis e cia, trata-se de uma oportunidade única de ver os filmes desse cineasta pouco conhecido da Nouvelle Vague.




Lembro até hoje da experiência marcante de descobri-lo através de uma sessão de Defesa Secreta na Casa de Cultura Mario Quintana, junto ao Fabiano de Souza e ao Eduardo Wannmacher, ali no início do século (naquele dia, pasmem, tínhamos visto dois outros filmes). Por que raios ficávamos tão vidrados com aqueles passeios intermináveis de trem que a Sandrine Bonnaire fazia?



Depois foi a vez de A Religiosa, também em 35mm, na Cinemateca Quebecoise - e ficar espantado com o trabalho de som impressionante do filme, com a Anna Karina etc.

Seguiram outros espantos e outros prazeres: A Bela Intrigante (que resolvi investigar um dia na academia), Paris nos Pertence (que espanto esse filme de estreia), Amor Louco (o filme de casal mais radical já feito?), Céline e Julie (o filme mais prazeiroso de todos os tempos?), Duelle (o filme de fantasia mais livre que existe?), Não Toque no Machado (o filme definitivo sobre o jogo e a encenação da sedução versus regras sociais?).

Todos os filmes de Jacques Rivette são uma experiência única de prazer, de imagem, de encenação, de presença de atores, de câmera, de narrativa. Para quem gosta de cinema, de teatro, de histórias, de gente, de vida.

Venham, amigos de Porto Alegre, habitar por uma semana essa pequena casa de ficção que é o mundo criado por Rivette.

Já não somos inocentes. Assumamos isso e deleitemo-nos.


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Postado em 05/08/2013




Em um antigo blogue, cheguei a postar uma vez uma revisão rápida dos fimes do Rivette.



Aproveito a abertura da mostra HOJE, na Sala P. F. Gastal, para copiar alguns desses textinhos:




Paris nous appartient (1960)

Onde tudo começou: o teatro, as ruas de Paris, a conspiração. É evidentemente um ensaio que seria melhor desenvolvido em filmes posteriores, mas creio que Rivette é excessivamente rigoroso quando fala desse filme. As imagens em P/B do trem (que viriam depois em cores em La bande des quatre e Secret Défence) e dos telhados de Paris são inesquecíveis, assim como a participação do próprio Rivette como um semi-paranóico numa festa.

La Religieuse (1966)
Outra aproximação com o teatro, dessa vez de dentro para fora, e depois para dentro de novo. O filme é uma adaptação de uma peça dirigida pelo próprio Rivette alguns anos antes e reflete (no sentido de fazer uma reflexão sobre) essa influência: mais do que no filme anterior, o jogo de atores em relação à câmera se inspira no teatro para contar a história da garota que foi "emprisionada" no convento pela própria família. O filme passa longe do denuncismo fácil e tem Anna Karina iluminada e um assustador trabalho com o som.



L'Amour fou (1969)
Fãs mais empedermidos de Rivette irão me recriminar por considerar visto um filme na versão reduzida (130 minutos ao invés dos 252), e com razão: ao contrário de outros casos, a versão reduzida desse filme foi feita à revelia do diretor. O resultado é um filme que tropeça em sua primeira meia hora, é confuso em algumas passagens, mas que mantém a força das imagens e da loucura do casal (ele diretor de teatro, ela atriz) que se fecha no apartamento até enlouquecer. Um filme único, um encontre de um diretor e atores em estado de graça. No final, só fica a sensação: se a versão ruim é essa, imagina a boa!!!
* vi a versão de 252 minutos alguns anos depois deste post, o que deixa esse texto meio sem sentido, pois quase nada do que escrevi sobre a primeira meia hora e sobre a confusão se aplica. Talvez o melhor filme do Rivette.

Out 1 - Noli me tangere (1971)
Rivette aproveita uma encomenda para TV e leva ao paroxismo as experimentações de L'Amour fou. Foi tão longe que o filme nunca foi exibido na TV que o encomendou, e passou com quase 13 horas de duração, dividido em 8 partes, numa sessão histórica em Havre. Dois anos depois, Rivette faz uma versão de 4 horas e pouco, com o nome de Out 1 - Spectre, que os que viram dizem tratar realmente de um outro filme. No final dos anos 80, Noli me tangere é recuperado por alguns festivais e TVs, com alguns minutos e uma cena a menos, e o século 21 permitiu algum maluco de partilhar uma exibição da RAI nos emules da vida. O filme é uma experiência radical, possivelmente o mais difícil de se colocar uma cotação aqui. As três primeiras partes são as mais radicais: praticamente assistimos ao ensaio de dois grupos de teatro, e ao esboço de dois personagens fora desses grupos. É a partir do quarto episódio que uma tênue trama se instala, envolvendo um grupo que se inspira nos 13 de Balzac para conspirar contra... contra o que, mesmo? Onde está Igor? Quem está traindo quem? As trupes são elas também um grupo de conspiração? E o filme, pode ser ele também uma forma de conspiração?
* somente a versão de 4 horas, Spectre, é que vai passar na Mostra da PF Gastal.


Céline et Julie vont en bateau (1974)
Rivette dá prosseguimento às experiências com improvisação - tanto que o roteiro do filme é assinado por ele e Eduardo de Gregorio, mas também por Juliet Berto, Dominique Labourier, Bulle Ogier e Marie-France Pisier, todas atrizes no filme - dessa vez optando por um tom oposto ao de Out 1. Não que não haja dor e desespero no filme, mas a tônica dominante que é justamente a da brincadeira e do prazer - prazer do cinema, prazer da encenação, prazer do jogo. Os 20 minutos iniciais dão a pista: não procure a trama, pois ela vai te achar. Só nos resta embarcar no barco das duas recém-amigas e acompanhá-las na história de amor e morte a que elas assistem - e da qual depois elas participam. Alice no País das Maravilhas, Casa Mal-Assombrada, Les Vampires - nos anos 70, esses universos faziam mais sentido para Rivette do que a situação político-social da Paris pós-68.

Duelle (une quarantaine) (1976)
Outro capítulo das Scènes de la vie parallèle. Dessa vez é a história de duas deusas (do sol e da lua) que voltam a terra para duelarem. A forma com que Rivette mistura o mistério policial e o fantástico é exemplar na sua simplicidade, assim como todos os "efeitos especiais" (que estão mais para reinvenção do repertório do cinema fantástico antigo do que qualquer outra coisa). No primeiro encontro entre as duas deusas, um dos travellings mais bonitos de toda a carreira do cineasta. Embora ainda faça parte de sua fase mais experimental, os movimentos de câmera e o trabalho com os atores (os travellings praticamente dançam com eles) já anunciam o que ele iria sedimentar mais adiante.

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