Gilbert & George, Orlan, Bruce Nauman, Vito Acconci, Paul McCarthy.
Nomes da linha de frente da arte contemporânea, que costumam apresentar seus trabalhos em lugares como a Tate Modern em Londres, o MOMA em Nova York ou o Centro Pompidou em Paris, estes e outros artistas estarão expondo pela primeira vez em Porto Alegre, em uma mostra a ser inaugurada no próximo dia 9 de novembro, nos jardins do DMAE.
A ambiciosa iniciativa é da Secretaria Municipal da Cultura, através da sua Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia, responsável pela concepção da mostra de vídeo-arte Endurance/Limite, que reúne uma série de filmes e vídeos produzidos entre o final da década de 1960 e a década de 90, realizados por 17 artistas de renome internacional. Em comum, todos os trabalhos possuem o elemento que dá unidade ao projeto: o corpo humano – mote de discussão entre artistas e intelectuais que se debruçam sobre os limites e as potencialidades da contemporaneidade em um período culturalmente tão conturbado quanto o atual.
Os 17 artistas reunidos em torno desta mostra investigam não apenas as particularidades da natureza humana, mas propõem uma ampla reflexão sobre a criação artística, a hegemonia estética, a passagem do tempo, a dor física e psíquica, a tecnologia. Entre os destaques da mostra Endurance/Limite, a dupla britânica Gilbert & George, que apresenta The Singing Sculpture, um de seus primeiros e mais festejados trabalhos; a francesa Orlan está representada pela obra Operation Reussie, na qual ela própria se submete a uma cirurgia plástica monitorada por um circuito de TV; Revolving Upside Down, de Bruce Nauman, dá as pistas para a compreensão da obra deste que é considerado um dos mais importantes artistas contemporâneos; o americano Skip Arnold tem dois de seus filmes aqui exibidos, Punch e Marks – neste último, ele arremete o próprio corpo contra as quatro paredes de um quarto branco, somente concluindo a performance no momento em que perde a consciência; Vito Acconci mostra o controverso Waterways: 4 Saliva Studies; já o polêmico Paul McCarthy, um dos nomes de maior expressão no âmbito da performance e da body art, apresenta a série Black and White Tapes. Todos os trabalhos são considerados obras de referência da vídeo-arte, e vários deles estão entre as primeiras e pioneiras experiências de registro em vídeo de artistas performáticos como Acconci e Nauman.
Os vídeos da mostra Endurance/Limite foram exibidos em uma grande caixa vermelha, criada pelo designer e arquiteto Claúdio Resmini, a ser montada nos jardins do DMAE (Rua 24 de Outubro, 200). No dia 19 de novembro, às 18:30, no Auditório do DMAE, aconteceu o debate Limite(s): A Performance e o Vídeo, com a participação dos artistas Elaine Tedesco, Fernando Bakos e Marcelo Gobatto.
PROGRAMAÇÃO
Bruce Nauman
Revolving Upside Down (1968, 10 minutos)
O estilo exploratório de Nauman e suas preocupações iniciais com a lingüística e com o jogo temporal se refletem em diversas obras de escultura e em projetos de vídeo que elegem como objeto uma série de atos mundanos e repetitivos que exigem esforço físico contínuo e considerável concentração mental. Em Revolving Upside Down uma câmera invertida acompanha Nauman caminhando pelas paredes de um quarto, desafiando as leis da gravidade. O vídeo parece ser uma prova da resistência de Nauman em um exercício para se tornar numa máquina humana.
Vito Acconci
Waterways: 4 Saliva Studies (1971, 22 minutos)Os projetos de vídeo produzidos por Vito Acconci no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 pareciam transpor os termos do Minimalismo e da Arte Processual, expandindo a natureza auto-reflexiva e fragmentada do vídeo. De seu interesse inicial em poesia, Acconci voltou-se em direção à performance e aos trabalhos em vídeo, com a intenção de “definir meu corpo no espaço, encontrar um terreno para mim, um terreno alternativo ao que eu tinha como poeta”. Descobrindo seu corpo como um lugar e uma fonte de atividade artística, Acconci surgiu no primeiro plano do movimento da Body Art na década de 70. Em Waterways, Acconci explode a noção de criação artística. Aqui o seu ato criativo é a acumulação e a secreção de saliva, encarada como uma atividade pertencente ao domínio das atividades físicas e artísticas. Acconci recusa o terreno da body art e da arte processual, formulando o corpo como processo e a arte como uma função natural do corpo.
Gilbert & George
The Singing Sculpture (1968/88, 23 minutos)Gilbert & George têm trabalhado juntos por mais de 20 anos. The Singing Sculpture está entre seus mais antigos e famosos trabalhos. Este filme dirigido por Philip Haas foi realizado por ocasião do vigésimo aniversário de The Singing Sculpture. Assim como o original de 1968, The Singing Sculpture foi apresentado na Sonnabend Gallery, em Nova York. O filme intercala a escultura com trechos de entrevistas com os artistas. Movendo-se com gestos lentos e robóticos ao som de Underneath the Arches, uma canção sobre mendigos do período da Depressão, a dupla alterna papéis, como homens dourados em ternos de executivos. The Singing Sculpture remete ao pathos e ao desespero das maratonas de dança da década de 1930, refletindo também a alienação de nossa sociedade pós-industrial.
Dennis Oppenheim
Material Interchange and Nail Sharpening (1970, 6 minutos)No começo dos anos 1970, Dennis Oppenheim estava na vanguarda dos artistas que faziam uso do cinema e do vídeo como meio de investigar temas relacionados à body art, à arte conceitual e à performance. Em uma série de trabalhos produzidos entre 1970 e 1974, Oppenheim usou seu próprio como um local de desafio a si próprio: ele explorou fronteiras de risco pessoal, transformação e comunicação através de ações performáticas ritualísticas e interações. Material Interchange and Nail Sharpening é um excerto de uma compilação entitulada Aspen Projects. A brevidade dessas seleções dá preferência à intensidade da ação, ressonando longamente após a projeção das imagens.
Geoffrey Hendricks
Body/Hair (1971, 10 minutos)Geoffrey Hendricks, artista americano associado ao movimento Fluxus, tem realizado ao longo dos últimos 30 anos um trabalho que investiga o corpo ao mesmo tempo como um espaço e um objeto a ser transformado e transcendido. As performances de Hendricks aderem a uma noção de ritual baseado nas realidades da vida cotidiana, explorando acontecimentos da sua vida pessoal. Body/Hair vai além das fronteiras entre o público e o privado. O artista depila os pelos de seu corpo, “como uma cobra se despe de sua pele”, preservando apenas a sua barba. Para Hendricks, este gesto era “uma forma de dizer que eu sou diferente e, ao mudar de pele, tornar-me de certo modo renascido”.
Bonnie Sherk
Portable Parks 1-3, Sitting Still, Pacing, Public Lunch (ex) (1970-1971, 14 minutos)Desde 1960, Bonnie Sherk tem investigado as relações entre o seu corpo e o meio-ambiente. Freqüentemente, o seu trabalho aponta as tensões entre a vida humana e a natureza. Portable Parks 1-3 mostra parques criados pela artista em espaços “intermediários” em São Francisco. Em Sitting Still, Sherk aparece sentada sobre um depósito de lixo, vestindo um traje de noite. Em Pacing, a artista aparece em situações de espera e meditação em lugares públicos (parques, ruas, praças e até mesmo uma jaula de zoológico). Em Public Lunch, ela come dentro da jaula dos leões no Zoológico de São Francisco, ao mesmo tempo em que os animais são alimentados. Com este trabalho, Sherk deu início a seus trabalhos com animais, o qual ela segue desenvolvendo ainda hoje em São Francisco e Nova York.
Carolee Schneemann
Up To and Including Her Limits (1973-1976, 10 minutos)Desde o início dos anos 1960, a artista radicada em Nova York Carolee Schneemann participa do circuito de arte, especialmente no âmbito do happening, da body art e da performance. A artista ficou conhecida como “the body beautiful”, graças ao uso que fazia do seu corpo nu, proporcionando um diálogo em torno do corpo feminino como lugar de ação e não de objetificação. Os experimentos performáticos de Schneemann utilizam a celebração do corpo como crítica das percepções culturais. Mais teatral do que o trabalho de Acconci e Nauman, mas oferecendo a mesma atenção ao movimento repetitivo, em Up To and Including Her Limits ela descreve como transforma seu corpo de um estado animado para um estado mecânico.
Paul McCarthy
The Black and White Tapes (1970-1975, 33 minutos)Paul McCarthy é uma figura influente no âmbito da body art e da performance nos últimos vinte anos. The Black and White Tapes derivam de uma série de peças de estúdio. Cada peça foi concebida especialmente para a câmera. O uso de suportes de apoio e o absurdo proliferam em cada um dos curtas. Como descreveu em um catálogo sobre sua obra publicado recentemente, intenção de McCarthy é “minar as profundezas da família e da infância, através do uso do kitsch, de detritos culturais pop, do corpo e da sexualidade, criando uma violenta paisagem de disfunção e trauma”.
Kim Jones
San Francisco Walk (1979, 6 minutos)Desde a metade dos anos 70, a artista Kim Jones vem desenvolvendo uma performance/ritual chamada Mudman (homem lama).O Homem de Lama é uma figura que carrega em si a própria destruição e que, ao mesmo tempo, promete renascimento através de sua direta conexão com a terra. A persona do Homem de Lama pode ser vista como uma estrutura de opostos - a polaridade entre Eros e Telos -, ou como uma pessoa possuída pelo seu outro lado - o inconsciente e o desconhecido. Esta dupla imagem transforma Jones, The Mudman, em símbolo do ritual dos pares: homem/mulher, humano/divino, feto/esqueleto, vida/morte.
Linda Montano
Mitchell’s Death (1978, 22 minutos - p/b)Embora originalmente formada como escultora, Linda Montano vem explorando a performance pelos últimos 15 anos, elaborando a temática do tempo e da transformação, alterando consciência e hipnose. Objetivando apagar a distinção entre vida e arte, a prática artística de Montano é marcadamente autobiográfica e freqüentemente envolve uma religiosa disciplina - ela passou dois anos em um convento e estudou Yoga e Zen por um longo período. Ao utilizar a performance como meio para a transformação pessoal e a catarse, Mitchell’s Death representa o luto de Montano pela morte de seu ex marido. Todos os detalhes de sua história, do telefonema anunciando a tragédia ao reconhecimento do corpo do marido, é entoada por Montano a medida em que sua face perfurada por agulhas de acupuntura lentamente entra e sai de foco. O canto é reminiscente de textos budistas, enquanto as agulhas significam a dor necessária ao processo de cura e aceitação.
Barbara Smith
Becoming Bald (1974); Full Jar, Empty Jar (1974); The Perpetual Napkin (1980); tempo total: 4 minutosO trabalho da artista sul californiana Barbara Smith se concentra nas relações humanas levadas ao limite entre a vida e a arte. Smith foi uma das primeiras artistas performáticas do sexo feminino a surgir no final dos anos 60 e a confrontar diretamente questões da mente, do corpo e do espírito. De acordo com Jackie Apple, “o trabalho de Smith explora profundas questões pessoais e espirituais, penetrando os mais sombrios níveis da experiência humana.” Em Perpetual Napkin, Smith usa a metáfora do “correr à exaustão” para que ela possa “explorar as mudanças na consciência e no crescimento causadas pela vida, as quais levam a uma nova compreensão e a um novo desenvolvimento.”
Gordon Matta-Clark
Clockshower (1973, 14 minutos - sem som)Gordon Matta-Clark, mais conhecido por sua documentação fotográfica de prédios desconstruídos, deixou também um corpo de trabalho em filme e vídeo. Clockshower, originalmente um filme, representa uma das mais ousadas performances de Matta-Clark: o artista escalou o topo de uma torre/relógio em Nova Iorque e se banhou, se depilou e escovou os dentes em frente ao relógio. Tal qual a resposta do mundo artístico a Harold Lloyd, Matta-Clark transforma a fachada arquitetônica em teatro.
Skip Arnold
Punch (1992, 10 segundos); Marks (1984, 13 minutos) Arnold usa seu corpo como ponto de partida, realizando um trabalho que evoca formas de poder e agressão. A constituição elegante de Arnold aumenta a provocação física, como em Punch, de 1992, quando o artista pediu a um homem atlético que lhe desse um soco no estômago. Existe uma simplicidade brutal nos projetos de Arnold, na medida em que ele explora o risco físico e joga luz sobre uma sensibilidade de fundo punk. Como seu contemporâneo de Los Angeles, Bob Flanagan, muitas das performances de Arnold acontecem fora dos limites do mundo artístico, atingindo o público dos clubs e da televisão a cabo.
Sherman Fleming
Ax/Vapor (1993, 10 minutos)O artista Sherman Fleming, de Washington D.C., explora, através de seu trabalho, a relação entre resistência física e estruturas sociais. Suas performances se preocupam com a relação entre raça e gênero. Ao submeter seu corpo a uma série de “testes”, Fleming revela o absurdo e o caos da tentativa de controlar o inevitável.
Bob Flanagan, Sheree Rose e Kirby DickAutopsy (1994, 16 minutos)Com a idade de 40 anos, Bob Flanagan está entre os mais velhos sobreviventes da fibrose cística, uma doença genética degenerativa que afeta os pulmões e o estômago e que, comumente, é letal no princípio da adolescência. Trabalhando em colaboração com Sheree Rose por mais de 15 anos, o uso que Flanagan faz da doença trás referências ao masoquismo. A carreira performática de Flanagan começou no final dos anos 70, nos clubs de Los Angeles. As primeiras performances envolviam leitura de poesia e stand-up comedies. Mais tarde, Flanagan incorporou performances-manifestos que desafiavam os limites da cultura sexual underground e da performace como espetáculo. Autopsy é a primeira produção de uma série de vídeos e filmes que abordam temas como o masoquismo, a dominação e a submissão, a doença e a morte.
Linda Montano
Seven Years of Living Art (1994, 13 minutos)Uma colagem de vídeos feitos durante sete anos que fazem a crônica de assuntos e acontecimentos que ocorreram na vida da artista a medida em que ela devotou cada ano a um chacra. Começando com uma obra dedicada aos temas do comprometimento e da limitação, o trabalho se torna um fascinante híbrido de vida e arte, ao passo em que Montano experiencia o princípio da menopausa, a morte de sua mãe, a escolha de entrar e sair de um convento, o sofrimento de um derrame e pensamentos de morte.
Orlan
Operation Reussie (1994, 8 minutos)Desde maio de 1990, Orlan vem desenvolvendo um projeto chamado “A Reencarnação da Santa Orlan ou Imagem (ens) – Nova (s) Imagem (ens)”, no qual ela se submete a uma série de intervenções cirúrgicas.
Comentários:
“Orlan denuncia padrões de beleza. Suas cirurgias são um sinal de protesto contra a cirurgia cosmética. Em sua cirurgia em Nova Iorque, ela queria mudanças importantes, como, por exemplo, as protuberâncias que ela, hoje, tem nas têmporas. Esta performance foi exibida ao vivo, com a ajuda de um equipamento interativo de telecomunicação, em 14 lugares ao redor do mundo, como a Sandra Gering Gallery, em N. Y., o Centro Georges Pompidou, em Paris, o Centro Mac Luhan, em Toronto, o Centro de Mídias Artísticas, em Banff...
“Como sempre, Orlan ficou acordada durante a cirurgia/performance, enquanto explicava seu projeto, respondendo a perguntas e comentários do público. A sala de operações se transforma em seu estúdio. Neste projeto, Orlan está fazendo perguntas sobre a condição do corpo em nossa sociedade. Ela vê o corpo como um lugar de debate público onde são propostas questões críticas de nosso tempo.”
De 9 de novembro a 10 de dezembro de 2005
Nenhum comentário :
Postar um comentário