quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Do Lixo ao Luxo: Hibridismo e Reciclagem Cultural

A Sala P. F. Gastal comemorou dia 25 de maio de 2007 o seu 8º aniversário.
Para comemorar, o cinema da Usina do Gasômetro sediou uma programação especial, intitulada Do Lixo ao Luxo: Hibridismo e Reciclagem Cultural, que inclui debates, mostra de filmes e uma exposição da artista paulista Chiara Banfi, na Galeria Lunara.

Concebida pela Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal da Cultura, esta programação pretende colocar em discussão um dos fenômenos mais recorrentes no mundo contemporâneo: .

A principal atração do evento foi a presença do diretor americano Jonathan Caouette, que veio a Porto Alegre especialmente para apresentar seu cultuado filme Tarnation, inédito no Brasil. Documentário autobiográfico sobre a relação do diretor com a mãe esquizofrênica, Tarnation foi feito inteiramente no PC de Caouette, ao custo de 218 dólares.
A traumática história de Caouette é recuperada através de filmes familiares em VHS e Super-8 e fotografias e curtas de ficção, além de novas imagens captadas com sua câmera digital. O filme “caseiro” de Caouette chegou às mãos dos diretores Gus Van Sant e John Cameron Mitchell, que ficaram impressionados com o resultado e imediatamente conseguiram, com a ajuda de David Lynch, levantar recursos para ampliar o filme e custear os direitos da trilha sonora.
Depois de uma aplaudida estréia mundial no Festival de Sundance, Tarnation teria uma recepção consagradora no Festival de Cannes.
Jonathan Caouette esteve na Sala P. F. Gastal no dia 23 de maio, às 19 horas, ao lado da jornalista Suzy Capó, curadora da mostra de filmes, e do cineasta gaúcho Gustavo Spolidoro, um dos entusiastas do filme.

Já no dia 24, também às 19 horas, aconteceu uma mesa de debate com a participação de José Gatti, doutor em cinema pela Universidade de Nova York, do jornalista, músico, cantor e autor teatral Fausto Fawcett e da jornalista Suzy Capó, que estarão discutindo as várias questões propostas pelo evento. A mostra de filmes, que se estenderá por quatro semanas, irá apresentar uma série de filmes que refletem sobre o tema proposto.

Do clássico Macunaíma, de Joaquim Pedro Andrade (apresentado em cópia restaurada), ao documentário Boca do Lixo, de Eduardo Coutinho, passando pelo curta Ilha das Flores, de Jorge Furtado, ou o recente Estamira, de Marcos Prado, além de uma série de curtas do diretor de vanguarda americano Stan Brakhage, o público terá a oportunidade de ver um recorte bastante significativo da produção cinematográfica contemporânea.

Abaixo, texto da jornalista Suzy Capó sobre o ciclo de filmes que concebeu para o evento Do Lixo ao Luxo: Hibridismo e Reciclagem Cultural.

A Redenção do Detrito
Colombina, onde vai você, eu vou dançar o iê-iê-iê. Assim falou Estamira, personagem-objeto-título do documentário de Marcos Prado que ocupa posição de destaque na mostra. Assim como muitos dos personagens e autores que povoam e conduzem as narrativas reveladas nesta mostra, Estamira está imbuída na tarefa diária de depurar o lixão da sociedade. Do topo do lixão da Ilha das Flores, brasileiros dão asas de urubu à imaginação percorrendo décadas, para frente e para trás, num vôo rasante ao mundo globalizado. Aproveitam-se da miséria social, da falta de ética, do atraso tecnológico, para cada um adiantar o seu lado. Revertem o jogo entre o dominado e o dominador, construindo uma estética de resistência em que a fraqueza estratégica é transformada em força tática. Assim, nosso herói popular sincrético Macunaíma, construído a partir de uma combinação bizarra de fábulas, arquétipos narrativos e elementos folclóricos, renova o projeto antropofágico de seu criador modernista Mário de Andrade quando é absorvido pelos postulados do movimento tropicalista, pelo mais autêntico precursor do cinema novo, Joaquim Pedro de Andrade. Como Tati Quebra-Barraco, ele mostra que os brasileiros são pós-modernos há séculos, pois habitam o território do pastiche e da bricolagem, onde convivem muitas épocas e estéticas. Mas a forma como os brasileiros aqui representados digerem, transformam e devolvem ao mundo suas tradições culturais e as influências externas não é tão central quanto o é a intertextualidade sugerida pela exibição em uma única mostra de obras com propostas estéticas tão distintas quanto os curtas-metragens de Stan Brakhage e o road-movie de Agnès Varda, com abordagens tão diversas quanto os documentários de Jonathan Caouette, Eduardo Coutinho e Evaldo Mocarzel, com sentimentos tão díspares quanto aqueles provocados pelo cinema de João Pedro Rodrigues e de Quentin Tarantino.

A redenção do detrito, tema aglutinador desta mostra, não deve ser lida como uma vontade de devorar o outro para construir uma identidade própria. Talvez seja uma metáfora da reciclagem contemporânea do excesso de informações transnacionais, da mescla seletiva multitemporal e desterritorializada das vozes do mundo. Das vozes que como Estamira têm a missão de revelar a verdade, somente a verdade.

MOSTRA DE FILMES


O Fantasma,
de João Pedro Rodrigues (Portugal, 2000, 90 minutos)
Elogiado filme de estréia do português João Pedro Rodrigues, sobre as andanças de um gari homossexual por uma Lisboa sombria e estranha.

Os Catadores e Eu,
de Agnès Varda (França, 2000, 82 minutos)
Ícone da Nouvelle Vague, Varda assina esta obra-prima tardia em formato de filme-ensaio. Um documentário a respeito das relações dos homens com o descartável, com o lixo e com o supérfluo, marcado por indagações políticas e filosóficas.

Os Catadores e Eu:
Dois Anos Depois, de Agnès Varda (França, 2002, 63 minutos).
Varda retoma seu filme de 2000, revisitando os mesmos temas e personagens.

Boca do Lixo,
de Eduardo Coutinho (Brasil, 1992, 50 minutos).
O duro cotidiano de um grupo de pessoas em um lixão, através do olhar do grande mestre do cinema documental brasileirio.


À Margem da Imagem,
de Evaldo Mocarzel (Brasil, 2003, 72 minutos)
Primeira parte da trilogia de Evaldo Mocarzel sobre os excluídos, aqui retratando os dramas dos moradores de rua.


Macunaíma,
de Joaquim Pedro de Andrade (Brasil, 1969, 108 minutos)
A clássica adaptação de Joaquim Pedro de Andrade para o romance de Mário de Andrade. O filme está sendo relançado em cópia nova, após longo trabalho de restauração.


Sou Feia, Mas Tô na Moda,
de Denise Garcia (Brasil, 2005, 61 minutos)
Um documentário revelador e bem humorado sobre o rico universo do funk carioca, enfocando algumas de suas figurais mais emblemáticas.


Estamira,
de Marcos Prado (Brasil, 2006, 115 minutos)
Premiado documentário sobre mulher com problemas mentais que habita um lixão. De lá, ela levanta sua voz contra os homens e, sobretudo, contra Deus.

O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla (Brasil, 2002, 89 minutos)
Último filme de Rogério Sganzerla. Uma reflexão ao mesmo tempo amarga e irônica sobre o cinema num contexto de subdesenvolvimento, a partir da passagem do cineasta Orson Welles pelo Brasil.


O Lixo e a Fúria,
de Julian Temple (Inglaterra/EUA, 2000, 108 minutos).
Cultuado documentário sobre a cena punk em Londres e a ascensão do grupo Sex Pistols.


Ilha das Flores,
de Jorge Furtado (Brasil, 1989, 12 minutos)
A trajetória de um tomate, do supermercado a um lixão onde será disputado por seres humanos. O curta que consagrou Jorge Furtado e deu projeção internacional ao cinema gaúcho, após ser premiado no Festival de Berlim.


Tarnation, de Jonathan Caouette (EUA, 2004, 88 minutos)
Documentário autobiográfico sobre a relação do diretor com sua mãe esquizofrênica.


Curtas de Stan Brakhage
Quatro curtas realizados por um ícone do cinema experimental norte-americano.

EXPOSIÇÃO

A artista paulistana Chiara Banfi foi uma das atrações do evento Do Lixo ao Luxo: Hibridismo e Reciclagem Cultural,


O trabalho de Chiara parte da colagem de diversos materiais, para construir imagens orgânicas e abstratas, cheias de delicadeza, que aguçam os sentidos. Ela começou fazendo suas obras diretamente na parede, numa mistura de pintura e adesivos em vinil, depois partiu para colagens, ora com fotografias, ora experimentando outros materiais. Sentiu necessidade da tridimensionalização deste conceito, em que seu desenho acaba por criar volumes e caminhos inusitados, em instalações que já foram apresentadas no último Rumos Itaú Cultural (2005/2006), na Boston Arts Academy (2006), na DNA Galerie, em Berlim (2006), e na prestigiada Fundação Cartier, em Paris (2005).




A exposição de Chiara Banfi é mais um fruto da parceria estabelecida entre a Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal da Cultura e a Galeria Vermelho, de São Paulo. Anteriormente, a Vermelho já trouxe exposições de Cris Bierrenbach e Rafael Assef, sempre na Galeria Lunara.




Na exposição Mirante, Chiara se utiliza de recortes de imagens fotográficas para construir o que ela chama de “jardim interno”: formas orgânicas que recriam a natureza através da reapropriação de imagens de plantas.

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