sexta-feira, 6 de setembro de 2013

JOÃO MOREIRA SALLES, QUE PARTICIPA DE DEBATE HOJE À NOITE NA SALA P. F. GASTAL, EM ENTREVISTA À ZERO HORA

Zero Hora
Segundo Caderno

O diretor faz parte da história05/09/2013 | 
João Moreira Salles participa de debate sobre o documentário "Shoah" nesta sexta

Evento acontece após exibição da quarta parte da obra-prima, dirigida pelo francês Claude Lanzmann

João Moreira Salles participa de debate sobre o documentário "Shoah" nesta sexta Glaicon Covre/Agencia RBS
João Moreira Salles participa de debate sobre o documentário "Shoah", sexta, às 20h, na Sala P. F. GastalFoto: Glaicon Covre / Agencia RBS
A exibição da parte quatro do documentário Shoah (1985), nesta sexta-feira, às 17h30min, na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro, terá na sequência um debate com o documentarista João Moreira Salles. A sessão e o bate-papo, previsto para as 20h, têm entrada gratuita. 


Shoah, obra-prima com nove horas de duração dirigida pelo francês Claude Lanzmann, é considerada o mais importante registro audiovisual sobre o Holocausto - foi realizado ao longo de 10 anos sem imagens de arquivo, apenas com depoimentos de sobreviventes dos campos de extermínio nazistas e testemunhas da barbárie. O evento marca o lançamento, na Capital, da caixa de DVDs com o documentário, que segue em exibição na sala, em quatro partes, até domingo.

Assista ao trailer do documentário:



Salles é um dos mais importantes documentaristas do Brasil e ajudou a redefinir a linguagem do gênero com o premiado Santiago (2007). Também é presidente do Instituto Moreira Salles (IMS), selo responsável pelo lançamento de Shoah no Brasil, e editor da revista Piauí. Em entrevista a Zero Hora, ele destaca a importância de Shoah e também de outro documentário referencial sobre o Holocausto, o curta-metragem Noite e Neblina (1955), de Alain Resnais. Entre outros temas, fala ainda do mestre Eduardo Coutinho e de seu próximo filme. Confira os principais trechos:

"Shoah" e "Noite e Neblina"
"Eu não sou especialista no fenômeno histórico do Holocausto. Tenho uma admiração pelo filme como espectador. Shoah foi uma recomendação minha (ao crítico José Carlos Avellar, curador da coleção de DVDs do IMS). É um filme de nove horas que não seria lançado se não fosse por um selo como o IMS. A diferença (em relação ao curta Noite e Neblina) está ligada ao tempo histórico. O filme de Resnais é o primeiro de impacto sobre o Holocausto, feito muito em cima da experiência histórica. Resnais chega como a primeira consciência do que foi aquilo.

Ele não queria fazer o filme, por não ter vivido a experiência do Holocausto. Concordou pedindo que o roteirista fosse o Jean Cayrol (ex-prisioneiro dos campos), que fez o texto e organizou o filme. Resnais usa imagens de arquivo, que Lanzmann se recusa terminantemente a usar. Lanzmann, que é muito duro com o uso de imagens de arquivo do Holocausto, não é com Resnais, porque entende o tempo em que (Noite e Neblina) foi feito, a importância dele naquele instante e a impossibilidade de se fazer de outra maneira. Porque não havia ainda toda a produção acadêmica, não se tinha a dimensão histórica, existencial, filosófica do que de fato foi o Holocausto. Lanzmann se alimenta de tudo isso, principalmente do livro do Raul Hilberg, A Destruição dos Judeus Europeus na Europa. Quando faz o filme, o tempo histórico dele já era outro. (Lanzmann) faz um filme sobre a memória e sobre a presença da memória - o que, de certa maneira, não é muito diferente do que Resnais fez. Mas Lanzmann acredita na potência da palavra. O filme dele é sempre no presente, nunca no passado, nessa ideia de que o Holocausto está vivo e de que só existe na memória daqueles que o viveram e na consciência daqueles que estão dispostos a receber a transmissão dessa experiência. Isso é muito novo do ponto de vista do documentário. É um filme poderosíssimo em todos aspectos, tanto pelo tema quanto pela forma."

Coutinho e o documentário no Brasil

"Existe uma reflexão sobre a forma que me parece essencial. Toda vez que houve uma inflexão importante na história do documentário, ela veio pela forma, e não necessariamente pelo conteúdo. O filme de Resnais usa procedimentos já clássicos: narração, imagens de arquivo, trilha sonora, uma estrutura desenvolvida na década de 1930 pelos ingleses. Mas uma coisa que muda no filme de Resnais está ligada à narração. Começa na terceira pessoa e termina na primeira. O narrador se torna implicado na história que conta.

O documentário brasileiro era muito conservador na forma até pouco tempo atrás, com as exceções de praxe. Graças ao Eduardo Coutinho se percebeu que tão forte quanto o assunto é a maneira como você conta o assunto. O que o documentário conta, transmite, é uma experiência, não é uma informação. Acho que é essa a lição que a gente aprendeu com Coutinho, que, por sua vez, aprendeu com o Lanzmann. Shoah tem uma importância muito grande no cinema do Coutinho, que radicaliza isso a partir do Santo Forte (1999), porque passou a perceber a força da palavra falada. Quando a palavra falada é investida de afeto, paixão, dor, sentimento, não importa se é verdade ou mentira. É onde está boa parte da força desses documentários em primeira pessoa. Na primeira pessoa, você está implicado na história. O Diário de uma Busca (2011), por exemplo, da Flávia (Castro). Você pode falar do regime militar através de uma história que passa por dentro de você, por suas entranhas. Não é mais: 'A história está lá e eu estou aqui'. É: 'Eu sou parte da história'."

Manifestações e overdose de imagens

"Você não precisa de um grande tema para fazer um grande documentário. Essa é a diferença do cinema de Coutinho e de Shoah, que ainda lida com um grande tema, talvez o maior tema do século 20. Coutinho usa os procedimentos da palavra falada, mas transfere isso do grande palco da história para o palco da copa e cozinha, para uma coisa menor, cotidiana, a vida miúda. Essas manifestações populares no Brasil podem render documentários extraordinariamente medíocres se as pessoas acharem que basta o tamanho do fato para que o filme seja bom. Não. É preciso encontrar uma maneira de narrar isso. Videogramas de uma Revolução (filme de 1992 que mostra a deposição e execução do ditador da Romênia Nicolae Ceausescu a partir das transmissões de TV e imagens de câmaras de manifestantes) tem sua força na forma como o material foi organizado.

A força da Mídia Ninja está no fato de aquilo estar acontecendo e você estar assistindo na hora. Aquilo visto depois não tem força nenhuma. Vai depender de uma cabeça pensante que saiba estruturar tudo de maneira que tenha força. Não é pelo fato de 2 milhões de pessoas saírem às ruas que você terá um grande documentário. Coutinho mostrou que é possível fazer um grande documentário sobre um prédio onde nada acontece no sentido da grande história."

Próximo filme

"É um projeto como Santiago, que só virou filme depois que percebi que não era uma experiência. Não é necessariamente ligado à minha vida pessoal, ainda que passe perto. Estou lidando com material de arquivo do mundo inteiro ligado ao ano de 1968, principalmente na França, na Checoslováquia e no Brasil. Voltei a entrar numa ilha de edição e passei sete meses organizando esse material. Terminei há um mês e tenho um primeiro corte de quase seis horas, que estou deixando descansar. Quando voltar, verei se vale continuar ou se foi apenas uma experiência. Se for adiante, termino de editar em 2014 e vira alguma coisa concreta em 2015."

Revista Piauí

"A revista completa sete anos em outubro e vai em velocidade de cruzeiro. Atingiu um público que é muito fiel. Acho que repercute mais do que o tamanho dela. A gente pode fazer um jornalismo que a imprensa que existe hoje no Brasil é incapaz de abrigar. É uma alternativa bacana. A tiragem depende do assunto, mas gira em torno de 70 mil exemplares, com 22 mil assinantes. Num mundo cada vez mais digital, é uma revista que requer atenção e tempo de leitura. A Piauí não quer dar lição para ninguém. Como esse nicho estava descoberto, achei que era possível ocupá-lo."

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