– O
que eu tinha para fazer no cinema, já fiz. É de forma sintética e objetiva que
Béla Tarr responde que, sim, “como já disse mil vezes”, O Cavalo de Turim foi o
último longa-metragem que dirigiu. Esse derradeiro filme, vencedor do Grande Prêmio
do Júri no Festival de Berlim de 2011, é uma das atrações da retrospectiva com
cinco trabalhos do diretor húngaro que a Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro
exibe de hoje a domingo, com entrada franca.
Afora
a oportunidade muito rara de se conhecer o trabalho de um dos mais celebrados
realizadores do cinema contemporâneo – nenhum de seus filmes teve lançamento no
Brasil –, os cinco longas serão exibidos com projeção em película 35mm. São as
condições ideais para sentir na plenitude o impacto sensorial do cinema de Béla
Tarr.
Seus
filmes ilustram, em um contrastante preto e branco e com fartos e vagarosos
planos-sequência, um universo em desencanto, pela opressão política e econômica,
pela bestialidade humana, pelo rigor da natureza, pelo fastio físico e
existencial. É uma representação ao mesmo tempo hiper-realista e onírica.
– Não
se trata de conceito visual. Nunca trabalhei nesse sentido, nunca elaborei
conceito visual algum. Essa é minha linguagem, é a forma como eu vejo e sinto o
mundo, é a forma, para mim, correta de representá-lo – diz Béla Tarr a ZH, por
telefone, desde a Hungria.
O
Cavalo de Turim, que abre a mostra, hoje, às 20h, é simbólico do estado de espírito
do diretor de 57 anos. Citando o episódio que fez Friedrich Nietzsche chorar, Béla
Tarr especula sobre o destino do cavalo protegido do espancamento pelo filósofo
alemão. Nas duas horas e meia seguintes, assiste-se à rotina de um camponês e
sua filha nos confins da Hungria, ao longo de seis dias que parecem se repetir.
Quase não há diálogos, o som onipresente é o do vento que fustiga o lugar. Como
Tarr já disse, o filme (em suas múltiplas leituras) representa o curso da vida,
que se encerra quando já não há mais energia e esperança.
O interior
rural da Hungria também é tema da obra-prima do cineasta, Satantango (1994),
monumento com mais de sete horas de duração no qual ele apresenta um quebra-cabeças
narrativo que segue a métrica musical do tango – diferentes pontos de vista
sobre um mesmo episódio erguem, indo e vindo no tempo, um painel sobre carências
físicas e morais da Hungria pós-comunismo.
– Comecei
a trabalhar sob a censura política do regime comunista e passei a trabalhar sob
a censura econômica do regime capitalista. O que posso dizer é que os dois são
uma m. – diz o diretor, destacando que as crescentes dificuldades para realizar
filmes em seu país também colaboraram para ele jogar a toalha.
Sem
se seduzir pela tecnologia digital (“Ainda é fake, artificial”), reverente a
mestres como Jean Luc-Godard (“Não tenho interesse pelo cinema que fazem hoje”),
Béla Tarr tem como motivação agora a escola de cinema que criou em Sarajevo, na
Bósnia-Herzegovina.
– Não
encontro mais trabalho em meu país, onde tornei-me uma ovelha negra. Sarajevo é
uma cidade internacional e multicultural, com católicos, muçulmanos e ortodoxos.
É o lugar certo para um jovem cineasta. Tenho alunos vindos de países como Japão,
México, Islândia, França, Espanha e Portugal.
A
mostra O Cinema de Béla Tarr é uma realização da Surreal Filmes, em parceria
com a Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da prefeitura de Porto Alegre. Os
ingressos estão disponíveis mediante retirada de senha 30 minutos antes da sessão,
na bilheteria.
Marcelo
Perrone
25
de junho de 2013
Capa
Segundo Caderno - Zero Hora
Estarei ai hoje
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