“Meu ponto de vista moral
questiona para mim aquilo que penso.” (B.Tarr)
1. 1977. Para um jovem
diretor húngaro de 22 anos, o cinema estava indo de mal a pior. Distante da sua
realidade, os atores e cenografias pareciam artificiais, os roteiros medíocres.
Ele queria mais do cinema. Com este impulso de ser um “filmfighter” como ele
mesmo se definiu, BélaTarr realizou seu primeiro filme “no budget” - sem
dinheiro algum, “Ninho Familiar”. Convidou pessoas comuns (atores não
profissionais), improvisou câmera e roteiro e discutiu de maneira intensa a
questão da moradia e do espaço das relações familiares na Hungria comunista. Enclausurados
numa convivência forçada com toda família num apartamento, um casal vive esta
impossibilidade utópica do “viver junto”. A individualidade é esmagada pelas
desavenças. A câmera é claustrofóbica como o exíguo espaço urbano.
2. Béla estava no auge de
sua juventude quando se juntou aos amigos para criar o que foi reconhecido como
a Budapest School. Um grupo de documentaristas de um lado e artistas
experimentais do outro que disputavam as verbas do Estúdio de BélaBalázs.
Preservavam o realismo masBéla pendia para a “coisa” poética, estando no limiar
entre ficção e documentário desde o início e sempre.
3. 1982. “Pessoas
Pré-fabricadas” parece complementar (com “Ninho Familiar” e “O Outsider”) a
trilogia da desagregação social e familiar. A classe operária é a personagem de
Tarr. Pela primeira vez contrata atores profissionais. As más condições de vida
levam a refletir mais sobre o sistema. “Não é só um problema social, mas
ontológico, quase cósmico”, como diz Béla.
4. BélaTarr prefere o não
ator ou o ator “não tão bom”. Para expor sua personalidade real?
5.1981. BélaTarr se forma na
Academia Húngara de Teatro e Cinema, mas agradece mesmo ao professor que lhe
diz: “Não fique sentado aqui, vá e filme!”.
6. Começa a refinar seu
estilo. Seu cinema trata da decadência e dos distúrbios da sociedade, embora
com um viés metafísico. A construção deste homem imaginário e real.
7. O cinema de Béla, como é
conhecido hoje, se delineia assim emblemático a partir de “Maldição” (1987). A
fotografia preto e branco, uma espécie de continuidade psicológica, longos
silêncios, monólogos, longos e poucos planos, a composição suntuosa do quadro,
a música, e uma câmera inconfundível que escrutina o ambiente em travellings
lentos e sóbrios. E os temas repassam a moral deste homem: suas escolhas, a
solidão, sua dignidade.
8. “Todos os heróis são
solitários.”
9. Segundo Béla, cabe ao
diretor ter tudo meticulosamente planejado para que algo aconteça ali,
intensamente. É fundamental a escolha da locação, a precisão, para que o imprevisto,
a improvisação dos atores aconteça.
10. Me parece que toda a
trajetória de BélaTarr apontava para o nascimento de sua obra-prima
“Satantango” em 1994. Um filme de 7 horas e 15 minutos que possui apenas 150
planos, baseado no livro de László Krasznahorkai.
11. Béla vai para o campo,
muda-se a perspectiva do homem e do espaço.
12. “Satantango” está
dividido em 12 partes assim como o tango. Uma comunidade rural comunista está
falida, e seus moradores pretendem abandonar o lugar. A decadência física e moral
nos faz perguntar: que homem é este? Que mente, trai, mata e espia o outro?
Chove, está frio, e a vida corre num ritmo estranho. Tarr talvez queira dizer
muito pouco, mas a intensidade do que diz faz valer cada minuto. Cada evento é
contado mais de uma vez, sob um outro ponto de vista, criando assim um
quebra-cabeças engenhoso e soturno.
13. Que homem é este, Béla?
“Quero acreditar que todos nós temos a humanidade no sangue. É uma ilusão, eu
sei.” O escuro de BélaTarr é mais escuro do que o escuro da noite.
14. O vento de BélaTarr é o
vento. O indizível do vento, o vento absoluto, o vento cruel, a metáfora do
vento, a espera do vento. Segundo ele, o cinema é feito de informação, tempo,
espaço. Não apenas de narrativas ou história mas este algo entre.
15. 2007. “O Homem de
Londres”, baseado no livro de Georges Simenon, filme falado em inglês com a
atriz compete no Festival de Cannes.
16. 2011. “O Cavalo de
Turim”, ganha o Urso de Prata em Berlim. BélaTarr é aclamado como um dos mais
completos e inovadores diretores contemporâneos do cinema autoral.
17. Em “O Cavalo de Turim”
abandona quase completamente a história em si. A repetição é o fio condutor
destas três vidas (o pai, a filha e o cavalo). Negando esta sequência de fatos
narrativos novos, implementa esta repetição como fato em si “cinematográfico”.
Tarr nos coloca diante de uma angústia, uma sensação de vida como ela é. Mas
que, na verdade, é artificializada num excesso de realismo causado nos
detalhes. A fotografia preto e branco, o som forte da música, a casa, naquele
lugar, numa vida campestre, extremamente dura no século XIX, as condições
climáticas e os personagens. O silêncio dos planos.
18. Qualquer coisa que se
diga sobre O Cavalo de Turim é ainda incompleta. Nesta incompletude, a
perfeição do cinema de Béla.
19. Segundo BélaTarr, O
Cavalo de Turim será seu último filme...
Francesca
Azzi
Curadora
A MOSTRA O CINEMA DE BÉLA TARR
SEGUE EM EXIBIÇÃO ATÉ DOMINGO, DIA 30 DE JUNHO.
A sessão de Cavalo de Turim foi inesquecível
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